Enel SP prova que privatizar não é solução

O caos que atingiu São Paulo e região metropolitana, deixando milhões de pessoas sem luz durante dias, só reforça os argumentos do Sinergia CUT desde os anos 90

Na última terça-feira (16), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, surgiram juntos em um anúncio público informando que iriam acionar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para iniciar o processo de caducidade do contrato de concessão da Enel SP, após os recentes apagões que evidenciaram a incapacidade de a empresa garantir o fornecimento de energia elétrica na região metropolitana.

Em nota, publicada na quarta-feira (17), a Aneel informou que a “a recente interrupção prolongada concentrada na área de concessão da Enel-SP será avaliada no âmbito do processo de monitoramento do termo de intimação lavrado pela Agência quando do evento da severa interrupção de energia ocorrida em outubro de 2024”.

Afirmou também que a fiscalização da Aneel, em conjunto com a Arsesp, avaliará a reincidência de falhas da empresa no restabelecimento do serviço no evento de 10 de dezembro deste ano. Disse ainda que na interrupção observada em 2024, a Aneel emitiu um termo de intimação como etapa preparatória para recomendação da caducidade do contrato a ser encaminhada ao Ministério de Minas e Energia.

Esse momento é único na história do setor envolvendo uma empresa distribuidora do porte da Enel SP, que opera na maior região metropolitana do Brasil. Para entendermos esee processo é preciso retornar à privatização da Eletropaulo, que foi dividida em quatro empresas menores para facilitar a venda – Eletropaulo Metropolitana, Empresa Bandeirante de Energia, Empresa Paulista de Transmissão de Energia e Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae).

O leilão para a venda da Eletropaulo Metropolitana ocorreu em 1998 e, desde então, mudou de controladores até que, em 2018, foi adquirida pela Ente Nazionale per l’Energia Elettrica (Enel) e teve seu nome alterado para Enel SP.

A holding Enel Brasil atua em toda a cadeia de energia elétrica – na geração, transmissão e distribuição – e controla concessões de distribuição nos estados do Ceará (Enel Ceará) e Rio de Janeiro (Enel Rio de Janeiro).

A Enel SP é a segunda maior distribuidora de energia elétrica do país, atendendo a 7,5 milhões de unidades consumidoras, mais de 20 milhões de pessoas, em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo.

O projeto neoliberal instalado no Brasil preconizava a ideia de que o Estado não era capaz de gerir o setor elétrico e que a venda das empresas públicas geraria recursos a serem investidos em segurança, educação, transporte e saúde. Ocorre que esses investimentos não aconteceram, a tarifa aumentou, o povo paulista ficou sem o controle de empresas estratégicas e a precarização dos serviços e das relações de trabalho se aprofundam cada vez mais.

É exatamente nesse contexto que se insere a má prestação de serviço da Enel SP, com sucessivos episódios de interrupção no fornecimento de energia elétrica que, desde 2020, foi multada cinco vezes pela Aneel e, conforme divulgado pela imprensa com dados do sistema da agência reguladora, os valores somados chegariam a expressivos R$ 374 milhões. A empresa teria pagado apenas duas infrações, no valor de R$ 29 milhões, representando 7,7% do total devido.

Os eventos climáticos extremos ocorridos em outubro de 2024 e no último dia 10, quando a Grande São Paulo foi atingida por um ciclone extratropical, geraram apagões que duraram dias e descortinaram para todos e todas que a realidade da distribuidora: equipes reduzidas, falta de manutenção e investimentos, falta de planejamento para ampliar a resiliência da rede e a recuperação da energia, apesar de todo o tempo que a empresa teve para se preparar.

Desde o início do processo de privatização na década de 90, o Sinergia CUT alerta para essa situação, com a mercantilização da energia e a perda do controle do Estado de um serviço essencial à vida tendo como consequência o risco à prestação do serviço, o aumento das tarifas e a precarização das condições de trabalho, com redução do quadro de trabalhadores(as) e crescimento da terceirização que acidenta e mata no setor. A precariedade da prestação do serviço atinge diretamente as famílias mais fragilizadas.

A Enel SP reduziu de 30% a 40% o quadro de trabalhadores(as) e terceirizou sem sequer oferecer a qualificação necessária para uma operação segura. É expressiva a precarização nas condições de trabalho, saúde e segurança.

O contrato de concessão da Enel SP vence em 2028 e a empresa apresentou à Aneel um pedido para antecipar a renovação nos termos do Decreto nº 12.068, de 20 de junho de 2024. Pelo rito processual, à Agência cabe avaliar o cumprimento dos indicadores técnicos e econômico-financeiros e recomendar (ou não) a renovação do contrato ao MME. A decisão final compete ao Ministério.

Nesse sentido, a solicitação do MME para que a Aneel institua o processo de caducidade do contrato implica no rompimento do contrato atual e a não recomendação à renovação. Em se consolidando a caducidade surgem diversos questionamentos sobre a manutenção do fornecimento do serviço como, por exemplo, se ocorrerá intervenção na concessão até a definição do novo controlador por meio de licitação.

Privatizar não é solução

Para a direção do Sinergia CUT, foi preciso acontecerem sucessivos apagões para o reconhecimento que a Enel SP não garantiu o fornecimento de energia elétrica e que é necessário instaurar processo de caducidade do contrato de concessão.

Falharam também os instrumentos de fiscalização e de punição à concessionária, que permitiram a situação se arrastar por tanto tempo e provocar tamanho impacto à população. É fato que, enquanto o caos se instalava e a prestação de serviço estava em risco, a empresa seguia aferindo lucros exorbitantes no Brasil e remetendo aos seus acionistas, principalmente internacionais.

Essa é a oportunidade de a sociedade como um todo avançar na consciência sobre os efeitos perversos e as mazelas que o modelo privatista apresenta como soluções para a prestação dos serviços públicos essenciais. Com isso, podem se ampliar os espaços de participação social para a definição da política energética voltada para uma transição energética justa, popular e soberana, com a criação de empregos decentes e o enfrentamento da pobreza energética.

É também oportunidade para, através da experiência com a Enel SP, observar a prestação de serviço de todas as empresas e constituir mecanismos mais eficientes para exigir das concessionárias a prestação do serviço público com qualidade, modicidade, segurança, confiabilidade, continuidade, com a realização de investimentos na manutenção e na modernização da rede, além de estabelecer os compromissos sociais, ambientais e econômicos que as empresas possuem ao atuar em uma determinada área de concessão.

Por fim, cabe ainda ressaltar que Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes defendem a privatização dos serviços essenciais, inclusive foi o atual governador de SP que, em 2024, privatizou a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) e a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae).

Desta forma, a indignação de Tarcísio e Nunes advém da visibilidade extremamente negativa que o apagão da Enel SP alcançou, com reflexos na insatisfação pública generalizada e nas críticas aos governos estadual e municipal. Não representa uma defesa real dos interesses soberanos do Brasil e de seu povo, e nem um posicionamento contundente por mudança no modelo privatista que eles defendem e ajudam a perpetuar.

Fonte: SinergiaCUT